No final de junho, um homem passeava por uma praia de rio em Khortytsia, na cidade de Zaporizhzhia, no sudeste da Ucrânia, quando avistou um objeto que parecia ser parte de um antigo barco, provavelmente com séculos de existência.
Ele imediatamente notificou as autoridades, que acabaram fazendo uma descoberta arqueológica surpreendente. Isso só foi possível devido a um evento ocorrido cerca de um mês antes: a explosão da barragem de Kakhovka, que resultou na liberação de 4,8 trilhões de galões de água rio abaixo.
A suposta explosão, provavelmente perpetrada por forças russas em uma tentativa de inundar as tropas ucranianas e bloquear uma passagem, desencadeou uma catástrofe com consequências devastadoras, incluindo a destruição de colheitas e o isolamento de várias comunidades.
As descobertas
Assim, a tragédia trouxe consigo uma revelação inesperada para a Ucrânia. O arqueólogo Anatolii Volkov, que esteve presente no local, examinou os objetos descobertos e estimou que remontam à Idade do Bronze, com pelo menos 3 mil anos de idade.
A equipe de pesquisa encontrou diversos artefatos notáveis, incluindo fragmentos de machados de pedra com mais de mil anos, alguns capacetes da era nazista, vestígios de uma ponte antiga, balas de canhão utilizadas pelos cossacos no século XVII, e armas empregadas nas guerras russo-turcas do século XVIII.
Segundo Yevhen Synytsia, presidente da Associação Ucraniana de Arqueólogos, nunca antes houve uma descoberta arqueológica de tal magnitude. Curiosamente, a guerra com a Rússia havia restringido significativamente as escavações arqueológicas, limitando o trabalho desses profissionais. Agora, o governo debate se reconstruir a barragem ou preservar esse tesouro arqueológico na região do rio Dnipro.
Relevância na guerra
Essa descoberta ocorre em um momento crucial, já que o conflito entre Rússia e Ucrânia é, em grande parte, uma batalha pela identidade. Vladimir V. Putin, presidente da Rússia, frequentemente subestima a independência da Ucrânia, retratando o país como um apêndice russo, desprovido de uma história ou cultura distintas.
Portanto, esse tesouro arqueológico ucraniano se une aos esforços para solidificar a identidade nacional. Viacheslav Sarychev, secretário científico da Reserva Nacional de Khortytsia, enfatiza: “Estamos recuperando fragmentos de nossa cultura ancestral. Passo a passo, nos afastamos da Rússia. Isso é de extrema importância para nós”.
Anatolii Volkov destaca que todos os artefatos estão sendo minuciosamente examinados, classificados e catalogados. A equipe de arqueólogos que trabalha nessa descoberta está sendo ampliada, dado o caráter urgente da situação. Há temores de oportunistas tentando infiltrar-se no local para apropriação ilegal desses objetos, visando o mercado clandestino de antiguidades.
Adicionalmente, existe uma pressão para que a história do passado ucraniano não seja sufocada. Há o risco de as autoridades ucranianas optarem pela reconstrução da barragem após o término da guerra, o que resultaria na reenterração dessa parte valiosa do patrimônio histórico.
A região foi submersa em 1956, quando a barragem foi erguida como parte de uma usina hidrelétrica. Segundo Yevhen Synytsia, isso ocorreu porque “naquela época, a identidade ucraniana era amplamente ignorada”, levando à perda de muitos tesouros.